sábado, março 24, 2007

Bruce Springsteen na Alemanha Oriental - 1988


Em 19 de julho de 1988, Bruce Springsteen se apresentou diante de cerca de 300 mil alemães orientais sedentos por liberdade, um acontecimento que, para alguns, pode ter ajudado a derrubar o Muro de Berlim.

O aniversário do show, que foi realizado em 19 de julho de 1988, na então Berlim Oriental, motivou um novo livro, um documentário, entrevistas e uma ampla cobertura da mídia para relembrar esta que foi, ao que tudo indica, uma noite mágica.

A espetacular apresentação de "The Boss" - apelido de Springsteen -, com uma mensagem sobre o "fim de todas as barreiras", alimenta a teoria de que Springsteen, que era na época a maior estrela de rock do mundo, abriu um pequeno buraco no Muro de Berlim.

"Crer que o show épico de Springsteen contribuiu para o movimento que provocou a queda do Muro depende, em certa medida, da crença ou descrença no poder do rock and roll", escreveu o jornalista americano radicado em Berlim Erik Kirschbaum, em seu livro "Rocking the Wall: The Berlin Concert That Changed the World" ("Sacudindo o Muro: o show de Berlim que mudou o mundo").

Um documentário feito para a televisão pública alemã MDR, "My Summer '88" ("Meu verão de 88"), descreve uma espécie de corrida armamentista na música pop da época, em que o Oriente e o Ocidente se enfrentavam, enquanto a Glasnost - a abertura do sistema político russo - trazia ventos de mudança.

Para tentar acalmar uma geração insatisfeita, os comunistas convocaram Springsteen, Depeche Mode, Joe Cocker e James Brown, ao perceberem que os artistas locais não eram capazes de competir com as estrelas mundiais.

Mas, para que The Boss, o filho favorito de Nova Jersey e herói da classe operária, fosse aceito pela velha guarda comunista, os organizadores chamaram sua apresentação de "Show Solidário pela Nicarágua". Embora o nome quase tenha feito Springsteen cancelar o show, os ingressos tinham o lema impresso.

Os milhares de fãs que não tiveram a sorte de conseguir entradas se reuniram horas antes do espetáculo e atacaram as cercas de segurança, numa atitude de desafio sem precedentes.

Springsteen começou o show com vários de seus sucessos, antes de eletrizar a multidão com o clássico "Born in the USA". Para sua surpresa, o público cantava com ele enquanto agitava bandeiras dos Estados Unidos.

Depois de uma hora de show, Springsteen surpreendeu a todos falando em alemão: "É genial estar em Berlim Oriental", disse, em uma transcrição fonética de uma tradução que seu motorista tinha dado a ele.

"Não sou a favor ou contra nenhum governo. Vim aqui para tocar rock'n'roll para vocês, com a esperança de que um dia todas as barreiras sejam derrubadas", disse, antes de cantar o sucesso de Bob Dylan "Chimes of Freedom".

Apesar do forte sotaque americano, a multidão conseguiu entender as palavras de Springsteen. "Todo mundo sabia exatamente do que ele estava falando: derrubar o Muro. Foi algo que alguns de nós esperamos a vida toda para ouvir", contou Joerg Beneke, um fazendeiro da Alemanha Oriental que estava lá naquela noite, ao escritor Kirschbaum.

Menos de 16 meses depois, o Muro de Berlim, construído em 1961, ruiu depois de uma revolução sem derramamento de sangue.

Springsteen disse em Leipzig, na antiga Alemanha Oriental, que a multidão de Berlim Oriental em 1988 foi a maior já vista por ele em um show.

Os diretores do documentário "My Summer '88", Carsten Fiebeler e Daniel Remsperger, encontraram Heike Bernhard, a mulher que subiu no palco na noite do show para dançar "Dancing in the Dark" com Springsteen. Bernhard, que trabalha como consultora de gestão, disse que nunca mais lavou a camiseta que usou naquela noite.

Fonte: FrancePress



Leia abaixo o texto do jornalista Carlos Albuquerque, do Globo, sobre o livro "Rocking The Wall", do jornalista alemão Erik Kirschbaum. O livro fala sobre a influência que o show de Bruce pode ter tido para o fim do Muro do Berlim.

Um motorista de táxi de Berlim deu ao jornalista Erik Kirschbaum o caminho das pedras. Correspondente da agência Reuters na Alemanha, ele voltava de um show de Bruce Springsteen, em 2002, quando o motorista começou a falar sem parar de outro show do astro americano, realizado em 1988, naquela mesma cidade, e descrito como inesquecível. Nascido nos EUA e acostumado às performances do chamado The Boss, Kirschbaum argumentou que seus shows eram sempre assim, eletrizantes. Mas não conseguiu convencer o sujeito de farta barba grisalha e cabelos desalinhados que, ao volante, replicava, decidido: "Nein, nein, nein".

Ele dizia que eu não estava entendendo, que o show de 1988 tinha mexido com o país inteiro e que tudo tinha mudado depois — conta Kirschbaum, que mora e trabalha na Alemanha desde 1989. — O motorista foi tão enfático que não consegui tirar aquilo da cabeça por dias. Resolvi, então, apurar melhor a história.

A apuração durou quase dez anos e deu origem ao recém-lançado livro "Rocking the Wall" (pela editora alemã Berlinica). Nele, o autor endossa, enfim, as palavras do taxista. E mostra que aquele show de Springsteen no lado oriental da cidade, visto por 300 mil pessoas e acompanhado por milhões pelo rádio e pela TV, foi, de fato, histórico, servindo também como empurrão para a queda do Muro, 16 meses depois.

Obviamente, o show não teve efeito direto na queda. Houve a pressão popular, o Gorbachev e outros fatores que contribuíram decisivamente para isso — afirma Kirschbaum, que, entre outros, entrevistou Jon Landau, empresário de Springsteen, os organizadores do evento, historiadores e dezenas de fãs presentes ao show, além de ter mergulhado nos arquivos da Stasi, a polícia secreta da República Democrática Alemã (RDA). — Aquele show ajudou a erguer de vez a população, principalmente a mais jovem, dando a ela uma injeção de otimismo e esperança. E nesse sentido, o breve discurso de Springsteen no meio da apresentação foi memorável. Um momento único na história do rock.

Como ressalta Kirschbaum, Springsteen não foi o primeiro astro internacional de rock a se apresentar em Berlim antes da queda do Muro. Embora a censura ao gênero ainda existisse na Alemanha Oriental (os Rolling Stones ficaram por anos na lista negra), Bob Dylan, Joe Cocker e David Bowie tiveram sinal verde das autoridades para fazer shows no país antes dele.

Mas nenhum deles incendiou a multidão como Springsteen — afirma o autor. — Dylan, por exemplo, fez um show frio e disperso em 1987, sem se dirigir à plateia.

De acordo com os arquivos da Stasi, a apresentação de Springsteen — que aconteceu por iniciativa de uma ala jovem do Partido Comunista — foi encarada como uma tentativa das autoridades de conquistar a simpatia da juventude local usando um astro conhecido por sua ligação com a classe trabalhadora (e que, ironicamente, tinha tido sua entrada no país negada em 1981).

Por conta disso, o evento ganhou uma embalagem "oficial", que nada tinha a ver com o disco "Tunnel of Love" (1987) — sucessor do premiado "Born in the USA" (1984) e razão daquela turnê europeia do astro —, sendo vendido como um show em apoio ao governo sandinista da Nicarágua, envolvido na época em combates com rebeldes financiados pela CIA. O fato incomodou Springsteen — notoriamente avesso a ter seu nome envolvido em causas políticas — e seu empresário, que ameaçaram cancelar o show.

Foi um momento bem tenso antes do show, mas que acabou sendo contornado, com a retirada das bandeiras com o nome da Nicarágua ao lado do palco. Os ingressos, porém, não puderam ser mudados e seguiram com esses dizeres, para irritação de Bruce, que resolveu, então, se pronunciar abertamente durante o show — explica Kirschbaum.

Quando o momento chegou, o local do show foi tomado por um público bem maior do que o estimado pelos organizadores, que acabaram, surpreendentemente, abrindo os portões para que não acontecessem tumultos.

Foi uma medida pouco comum para um país tão rigidamente controlado e bastante simbólica de um governo que já começava a perder força — conta Kirschbaum, lamentando não ter conseguido entrevistar Springsteen para o livro. — Tentei 12 vezes, em vão. Como se sabe, ele raramente dá entrevistas.

"Rocking the wall" descreve, então, como foram as quatro horas e meia do show, com riqueza de detalhes do clima nos bastidores e da tensão geral em torno das palavras que o astro iria dirigir ao público (Springsteen acabou fazendo um curto, porém incisivo discurso, de solidariedade, antes de tocar "Chimes of freedom", de Bob Dylan).

O som estava ruim, e as palavras de Bruce não foram ouvidas por todos na multidão, mas aquilo era o de menos - afirma o autor. — Tão importante quanto a presença daquele astro de rock, no auge da popularidade, sendo solidário com a população, foi o fato de ela estar reunida ali, em paz. Todos as pessoas que entrevistei foram unânimes em afirmar que aquele foi um momento inspirador para todos e que nada seria igual novamente. Veja abaixo a integra do concerto:



SETLIST:

"Badlands"
"Out in the Street"
"Boom Boom"
"Adam Raised a Cain"
"All That Heaven Will Allow"
"The River"
"Cover Me"
"Brilliant Disguise"
"The Promised Land"
"Spare Parts"
"War"
"Born in the USA"
"Chimes of Freedom" (Bob Dylan cover)
"Paradise by the C"
"She's the One"
"You Can Look (But You Better Not Touch)"
"I'm a Coward"
"I'm on Fire"
"Downbound Train"
"Because the Night"
"Dancing in the Dark"
"Light of Day"
"Born to Run"
"Hungry Heart"
"Glory Days"
"Can't Help Falling in Love"
"Bobby Jean"
"Cadillac Ranch"
"Tenth Avenue Freeze-Out"
"Sweet Soul Music"
Twist and Shout"

Nenhum comentário: